A Missão Integral e o seu conceito de “justiça social”
A Teologia da Missão Integral propõem uma luta pela chamada “justiça social”. Mas por qual “justiça social” os evangelicais devem lutar? O que é de fato “justiça social”? Ora, são perguntas importantes, pois em nome da justiça já foram praticadas muitas injustiças e atrocidades neste mundo. Assim sendo, a Teologia da Missão Integral deve tomar o máximo de cuidado com ideologias políticas salvacionistas e messiânicas que escondem o germe totalitário vestido de “bem coletivo”. Então, é necessário saber por qual justiça se luta.
A justiça social não pode justificar ações totalitárias. Ideias coletivistas são perigosas, pois são sempre autoritárias. O coletivismo é tido como messiânico, mesmo que inconscientemente, por seus seguidores. Exemplo disso são os regimes não-democráticos, pois todo ditador é uma personificação do anticristo, já que se coloca como um salvador, um messias, um sujeito que salvará tudo e todos. Nenhum ditador subiu ao poder prometendo desgraça, mas sim melhorias que viraram violência e intolerância.
A ficção 1984 de George Orwell tem uma passagem interessante. O personagem Winston Smith descreve uma cena onde uma mulher louvava o Grande Irmão (The Big Brother) como um messias. A cena mostra muito bem como ditaduras passam a imagem salvacionista:
A ficção 1984 de George Orwell tem uma passagem interessante. O personagem Winston Smith descreve uma cena onde uma mulher louvava o Grande Irmão (The Big Brother) como um messias. A cena mostra muito bem como ditaduras passam a imagem salvacionista:
A mulher esguia e ruiva se jogara para a frente, apoiando-se no encosto da cadeira diante dela. Com um murmúrio trêmulo que parecia dizer “Meu Salvador!”, estendeu os braços para a tela. Em seguida afundou o rosto nas mãos. Era visível que fazia uma oração. [1]
O Grande Irmão, o déspota, sempre aparecia em uma tela exaltando suas glórias enquanto todos exaltavam os “seus feitos”. É uma ótima caricatura dos governos autoritários, com ares messiânicos. Política como redenção nunca deu certo. Como bem escreveu Joseph Ratzinger: “Quando a política pretende ser redentora, promete demais. Quanto pretende fazer a obra de Deus, não se torna divina, mas demoníaca”. [2]. Não é essa “justiça social” casada com o totalitário que devemos defender.
Sim, é missão evangélica lutar por um mundo mais justo. A visão escatológica e soteriológica não nos pode levar para um conformismo determinista. Não podemos ficar sem um forte incômodo diante das atrocidades cometidas nesta terra. A agenda evangelizadora é social e cultural, além, é claro, do aspecto espiritual. Agora, em nome do “mundo melhor” nasce várias tentações totalizantes. O centro da nossa luta pela justiça deve ter um foco real sem utopias salvadoras. É a realidade que deve prevaler e não a ideia eugênica de melhoramento da sociedade pelo Estado.
O filósofo judeu Luiz Felipe Pondé faz um alerta interessante sobre o assunto:
A semelhança dos hipócritas da fé que falavam em nome da justiça divina para roubar sua alma, esses hipócritas falariam em nome da justiça social para roubar você. Ambas abstratas e inefáveis, por isso mesmo excelentes ferramentas para aproveitadores e mentirosos, as justiças divina e social seriam armas poderosas de retórica autoritária e mau-caráter. [...] Suspeito de que se (David) Hume vivesse hoje entre nós, faria críticas semelhantes à oligarquia de esquerda que se apoderou da máquina do governo brasileiro manipulando uma linguagem de “justiça social”: controle da mídia, das escolas, dos direitos autorais, das opiniões, da distribuição de vagas nas universidades, tudo em nome da “justiça social”. Ataca-se assim, o coração da vida inteligente: o pensamento e suas formas materiais de produção e distribuição. […] A tendência autoritária da política nacional espanta as almas menos cegas ou menos hipócritas. A oligarquia de esquerda associa as práticas das velhas oligarquias ao maior estelionato da história política moderna: a ideia de fazer justiça social a custa do trabalho (econômico e intelectual) alheio. [3]
Pode-se falar em “justiça social” quando algum intelectual, com relações estatais promíscuas, defende o aumento do Estado em nome do “bem-estar”? Ora, essa "justiça com o pobre" implica em aumento de impostos, pois não existe almoço grátis. Quanto mais o Estado estiver presente na vida econômica e social de um país, mais demandará impostos e tributos diversos. Isso é “justiça social”?
“Justiça social de fato" demanda menos peso estatal, ou seja, menos impostos!
Imagine que uma família pobre receba “ajuda” do governo de uma bolsa de R$ 100. Legal, não é? Como é bonzinho esse governo que ama a “justiça social”, diriam os incautos! Mas você sabe o quanto de imposto essa mesma família pobre pagará no arroz? Algo como 18,1%, ou seja, se um pacote de cinco quilos custa R$ 10, o mesmo pobre será taxado em R$ 1,81. Achou muito? Só que o arroz tem “pouco” imposto para o padrão brasileiro. Isso é “justiça social”? É justo quando o governo “dá” com uma mão e tira com duas? Os teólogos da Missão Integral estão atentos a isso?
E o açúcar? Ora, o açúcar não é nenhum alimento de luxo. Só que o mesmo pobre que receba uma “bolsa” do governo pagará 43, 6% de imposto no produto, ou seja, se o quilo de açúcar custa R$ 5, o pobre brasileiro pagará R$ 2,18 somente de imposto. E é claro que o imposto sobre o alimento pesa mais no bolso do mais pobre, logo porque o alimento é parte considerável do seu orçamento familiar. Isso é “justiça social”? No Brasil, até remédio é taxado com altos impostos.
O sociólogo Alberto Carlos Almeida observa:
O que dizer então da grande injustiça, de matriz escravista, que diz respeito aos tributos que elevam os preços dos alimentos? A renda média dos brasileiros é de R$ 1.200, 00 por mês. É enorme o contingente de famílias que faz compras de supermercado com o dinheiro contado. As pessoas vão para a feira ou mercado com, por exemplo, exatamente R$ 150,00 no bolso. O que elas irão comprar terá que caber nesse orçamento. Todo mundo já deve ter passado pela experiência constrangedora de, na fila do supermercado, ter de esperar a vez enquanto a pessoa na frente vai retirando itens das compras até completar o dinheiro que já está nas mãos do caixa. Não é à toa que existe aquela cestinha ao lado da esteira rolante, para o refugo. Caso os impostos sobre o que é vendido dentro do produtos, irá aumentar muito. [4]
Por que o Brasil é um dos países onde mais se cobra imposto? Ora, para sustentar uma máquina pública poderosa e um funcionalismo público gigante, os impostos são peça fundamental. Só que o mais pobre sempre paga mais dessa conta. Ora, acreditar em governos bonzinhos que dão “bolsas” é como acreditar em papai-noel. O governo nada dá. Tudo é pago com altos impostos. E o retorno é mínimo. Onde estão os grandes e eficientes hospitais? Há uma cidade no país onde é possível andar com dinheiro despreocupado? A educação é eficaz e de qualidade? Não, nada disso. Os impostos vão para o fundo do poço, logo perdendo-se em corrupção e uma máquina pública inchada. Nunca será possível diminuir impostos se as despesas do Estado não caírem.
No Brasil, o cidadão que ganha até dois salários mínimos (R$ 1.090,00) é taxado em 53, 9%, ou seja, se o imposto fosse zero esse brasileiro médio teria mais R$ 587, 51 paga gastar com ele e sua família. O problema que os impostos são “invisíveis” e a população menos informada pensa que quem paga tributo são aqueles que declaram o IR (Imposto de Renda).
Essa taxação absurda do trabalhador brasileiro é justa? Evidente que não! A “justiça social” de fato passa por uma reforma tributária casada com uma reforma fiscal, onde o governo faz poupança para que o peso dos impostos diminua sobre a população. Infelizmente, isso está longe de acontecer! A solução não é o aumento dos impostos pagos pelos ricos, como indicam os desenvolvimentistas, mas a diminuição dos impostos pagos pelos pobres.
Essa taxação absurda do trabalhador brasileiro é justa? Evidente que não! A “justiça social” de fato passa por uma reforma tributária casada com uma reforma fiscal, onde o governo faz poupança para que o peso dos impostos diminua sobre a população. Infelizmente, isso está longe de acontecer! A solução não é o aumento dos impostos pagos pelos ricos, como indicam os desenvolvimentistas, mas a diminuição dos impostos pagos pelos pobres.
Os intelectuais brasileiros ávidos pela “justiça social” estão preocupados com isso?
A academia brasileira é uma vergonha. Não se pode generalizar, mas parte considerável da universidade no pais é comprometida com uma ideologia estatizante e viciada em cargos públicos. Como vão criticar os governos se estão coabitados por eles? E é lamentável dizer que até a academia evangélica faz parte desse círculo vicioso. Os mesmos “analistas” protestantes que condenam a politicagem caciquista dos pentecostais são comprometidos com a ideologia política que sustenta esse caciquismo politiqueiro. A academia, principalmente de ciências humanas, é um antro de intolerância contra ideias que diferem a “cartilha do bem” e estão presos em disputas de cargos públicos e demonstração de apreço pelo ordem vigente. É a “elite do bem” que critica a “elite do mal” no seu maniqueísmo de meia tigela.
A classe empresarial viciada
Os países de formação cultural protestante são mais intolerantes com pessoas que fazem do espaço público um bem privado. No Brasil, o patrimonialismo não causa revolva. Aliás, a cultura brasileira é viciada no patrimonialismo. É um “capitalismo” de laços [5]. A classe empresarial brasileira, como tudo neste país, também é viciada suicidamente no Estado.
Um empresário para ficar “bem” logo se alia ao governo. O governo empresta dinheiro, com juros abaixo do mercado, para esse empresário amigo, que depois retribui com contribuições para campanhas eleitorais. Isso é “justiça social”? A defesa da justiça passa pela denúncia dessa cultura brasileira cheia de "laços". O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, pega no mercado internacional muito dinheiro com juros de 12% e empresta para grandes grupos a 6%. Quem paga a diferença? Sim, você. São seus impostos que pagam essa conta. Agora, imagine se você comprasse canetas por 1 real e vendesse por 50 centavos. Isso tem lógica? Evidente que é uma loucura, mas o banco estatal faz praticamente isso.
Voltando aos teólogos
Os teólogos da Missão Integral devem observar o contexto brasileiro. A teologia da Missão Integral não pode ser uma espécie de Teologia da Libertação mais suave. Alguns nomes famosos, como o teólogo equatoriano René Padilla, por exemplo, focam muito contra a “sociedade do consumo”, aliás, a Teologia da Missão Integral se tornou o piano de uma tecla só: a sociedade do consumo é o diabo. Nada mais inútil como debate para a real busca de “justiça social”. O nosso problema é outro. O problema do miserável é outro. É a opressão do Estado, não o consumo da sociedade.
Referências e Notas Bibliográficas:
[1] ORWELL, George. 1984. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p 27.
[2] RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância: O Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo. 1ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2007. p 110.
[3] PONDÉ, Luiz Felipe. A Oligarquia de Esquerda. Blog do Reinaldo Azevedo. São Paulo. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-oligarquia-de-esquerda/ > Acesso em: 30 de junho de 2011.
[4] ALMEIDA, Alberto Carlos. O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo. 1 ed. São Paulo: Record, 2010. p 170, 171.
[5] Veja: LAZZARINI, Sérgio. Capitalismo de laços: entenda como funcionam as estratégias e alianças políticas e as suas consequências para a economia brasileira. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Fonte: Teologia Pentecostal por Gutierres Siqueira
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