A Origem e a História Primitiva do Coliseu
A
memória do imperador Augusto é cara aos romanos. Por seu grande talento e
habilidade, ele não apenas conquistou para si o cetro do poder supremo, mas
também elevou o próprio Império dentre as nações do mundo, e iniciou o período
conhecido como idade de ouro. Suas virtudes naturais mostram um agradável contraste
com a devassidão e os vícios de seus sucessores imediatos. A ele deve-se a
honra de haver planejado a construção do anfiteatro. Havendo embelezado a
cidade com casas de banhos e templos de insuperável magnificência, ele concebeu
a idéia de erigir um imenso anfiteatro para os espetáculos gladiatórios, que
deveria exceder em dimensão e esplendor todos os edifícios do mundo. A morte
levou-o antes que pudesse realizar seu grande projeto. Os anos passaram, e sete
imperadores, que não tiveram nem energia nem talento para executar o imenso
empreendimento, sentaram-se no trono de Augusto. Contudo, ele não foi
esquecido, e o clamor do povo pelo início da construção foi ouvido por
Vespasiano. A este empreendedor soberano deve-se a edificação desta maior obra
da antigüidade, que é atualmente a maior ruína do mundo.1
Vespasiano
era orgulhoso e ambicioso; buscava rivalizar a fama de Augusto, e no segundo
ano de sua elevação ao trono, iniciou a construção do Coliseu. Isto foi no ano
72 de Nosso Senhor. Ele morreu antes que a obra fosse terminada, e embora
houvesse mais de trinta mil pessoas trabalhando constantemente, oito anos foram
necessários para a sua edificação, e ela foi dedicada por Tito, no ano 80 de
nossa era. A construção não foi perfeitamente completada até o reinado de
Domiciano.
O
estupendo edifício foi erigido no lugar de um viveiro de peixes, nos jardins de
Nero. Edificado no meio das sete colinas, e bem no coração da antiga cidade,
ele não apenas superou em imensidão e magnificência os outros dois anfiteatros
de mármore que havia em Roma, mas excedeu em brilho a esplendorosa casa dourada
de Nero. Tanto Vespasiano como Tito valeram-se da experiência de suas viagens
ao oriente, para fundir nos esboços do anfiteatro toda a ousadia e majestade da
arquitetura síria e egípcia, com a beleza e o refinamento da arte grega. A sua
imensidão, mesmo em suas ruínas, é surpreendente, enquanto suas arcadas
erguem-se em incríveis proporções umas sobre as outras, nas ordens jônica,
dórica e coríntia. O tamanho, a beleza e a força combinaram-se para fazê-lo o
maior, o mais belo e mais durável dos monumentos antigos. Erguendo-se para o
ar, tão alto quanto os montes Palatino e Célio, uma montanha no lado de fora e
um vale dentro, ele supera, inquestionavelmente, qualquer coisa que a Grécia, o
Egito ou Roma tenham visto antes. Marcial, o poeta, que o viu surgir de sua
fundação, declara que Roma não mais teve o que invejar no Oriente, uma vez que
o seu soberbo anfiteatro era mais maravilhoso que as pirâmides de Memphis ou as
obras da Babilônia.2 Até os críticos mais aprovados definem o
Coliseu como um edifício oriental vestido num traje grego.
As
maiores obras do homem têm geralmente a sua origem na destruição. Na história
do mundo, raramente houve um edifício ou uma nação que não fosse edificado
sobre as ruínas de outro. Os operários do Coliseu foram os judeus cativos, que
adornaram o triunfo de Tito; o material foi parcialmente retirado da casa
tombada de Nero. Os cristãos podem enxergá-lo como um poderoso monumento erguido
em comemoração ao cumprimento da profecia.
O
arado passara sobre a cidade e o templo de Jerusalém; seu povo orgulhoso fora
humilhado ao pó, e espalhado aos quatro ventos do céu. Setenta mil de sua nação
derrotada foram levados a Roma por Tito. Havendo-lhe ornado o triunfo, foram
eles divididos em três classes: as mulheres e as crianças de até dezesseis anos
foram vendidas como escravos pelos preços mais miseráveis. O Senhor Jesus foi
vendido por trinta moedas de prata; após o triunfo de Tito, podia-se comprar
trinta judeus por apenas uma dessas moedas. Alguns dos homens foram enviados ao
Egito para trabalhar nas marmoreiras, mas a grande maioria ficou para trabalhar
no Coliseu. O número é variavelmente estimado entre trinta mil e cinqüenta mil.
Assim, os muros daquele poderoso emblema de tudo o que há de triste e horrível
foram cimentados com as lágrimas de um povo decaído.
As
estruturas superiores do Coliseu foram construídas com o material levado da
casa tombada dos césares na Palestina. Quando Vespasiano e Tito ordenaram a
destruição de grande parte da casa de Nero, efetuaram um ato muito prazeroso ao
povo romano. Era um monumento de detestável esplendor, que se erguera sobre as
ruínas de sua cidade queimada; a sua riqueza e grandeza só faziam recordar ao
povo a tirania e a opressão. Nem bem a ordem fora dada, o populacho ajuntou-se
na obra de devastação. Imensos blocos de travertino dourado, colunas, capitéis,
e cornijas de mármore dos mais elaborados entalhes, junturas de ferro e de
ouro, e massas indestrutíveis de alvenaria, foram rude e indiscriminadamente
arrastados para ornamentar ou completar a vasta obra do Coliseu.
O
poderoso anfiteatro tomar-se-ia uma ruína; após o lapso dos séculos, seria
derrubado pela mão do tempo, e por sua vez, forneceria material de seus arcos
caídos para a construção dos palácios medievais e modernos da Cidade Eterna. O
imenso palácio quadrilátero da embaixada veneziana, o Farnese, o Barberini, e
outros de menor importância, brotaram das ruínas do Coliseu. É assim na história
do homem: os maiores monumentos de esplendor moderno surgiram, à semelhança de
Fênix, das ruínas de uma poderosa estrutura que nossos antepassados
presunçosamente imaginaram imperecível.
Devemos
agora ter uma visão do anfiteatro em seu perfeito estado. Fragmentos de
descrição foram coletados dos historiadores antigos, e o quadro está quase
completo. Partindo do modo como as ruínas se encontram agora, a fantasia pode
preencher muitos detalhes.
Ele
possui uma bela figura oval, 155
metros de comprimento e 36 metros de largura. Foi
erguido sobre oitenta arcadas imensas, e eleva-se em quatro ordens sucessivas
de arquitetura à altura de 49
metros . Na sua totalidade, o edifício cobre um espaço de
24.000 m2 .
Por fora, era incrustado com mármore e decorado com estátuas. As rampas da
vasta concavidade que formava o interior eram repletas com sessenta ou oitenta
fileiras, dispostas em roda, de assentos de mármore cobertos com almofadas,
capazes de acomodar facilmente 100.000 espectadores.3 Sessenta e
quatro vomitórios (as portas de saída eram apropriadamente conhecidas por este
nome) davam saída à colossal multidão; as entradas, as passagens, e as escadarias
foram planejadas com tal destreza, que cada pessoa, fosse da ordem senatorial,
dos cavaleiros, ou dos plebeus, chegava ao lugar que lhe era destinado sem
problemas ou confusão.
A
fileira de assentos mais baixa, próxima à arena, agora completamente coberta
por terra e entulhos, designada aos senadores e embaixadores estrangeiros, era
chamada de podium. Numa plataforma elevada estava o trono do imperador,
sombreado por um palio carmesim, como uma tenda. O lugar dos administradores ou
organizadores dos jogos, como eram chamados, e das virgens vestais, ficava ao
lado do assento do imperador.
O
podium era protegido contra a irrupção dos animais selvagens por uma
barreira, ou parapeito, de ouro ou bronze dourado. Como uma defesa adicional, a
arena era cercada com uma grade de ferro e um canal. Os éqüites, ou
segunda ordem de nobres, sentava-se em quatorze fileiras atrás dos senadores. O
restante do povo acomodava-se atrás, nos assentos chamados de popularia, que
se elevava em bancada sobre bancada, até uma galeria com uma colunata em
frente, circundando todo o anfiteatro logo abaixo do toldo, e geralmente
ocupada Por mulheres, soldados e serventes.
Nada
se omitia do que pudesse ser útil à conveniência e ao prazer dos espectadores.
O enorme dossel ou toldo, que às vezes era estendido sobre toda a extensão,
oferecendo proteção contra o sol ou a chuva, era uma das maravilhas do Coliseu.
Faz-se necessária uma esticada na imaginação para acreditar. Quando nos
colocamos, mesmo agora, em meio às ruínas, e vemos a vasta amplidão do céu
sobre nós, a mente perde-se em dúvidas e conjecturas sobre a possibilidade de
um fato tão prodigioso. Não obstante, todos os historiadores que escreveram
sobre o Coliseu mencionam esta cobertura, como se nela nada houvesse de
extraordinário. Lampridio relata que era preciso várias centenas de homens para
lidar com este toldo, e que eles vestiam-se de marinheiros.4 A um
sinal, quando havia ameaça de chuva, ou o sol estava quente demais, havia um
movimento simultâneo entre os atendentes; então as cordas rangiam, e a poderosa
vela deslizava gradativamente para o centro, todas as velas reunindo-se em
perfeita harmonia, e formando juntas o imenso lençol que cobria completamente
o interior. Permanece estranho o fato de que no tempo de Tito esse dossel fosse
de seda púrpura, e debruado de ouro.5 O ar era constantemente
refrescado pelas fontes, e uma infinidade de pequenos tubos aspergiam um
chuvisco dos mais deliciosos perfumes, que descia sobre os espectadores como
orvalho aromático. A arena, em cujo centro achava-se a estátua de Júpiter,
formava o palco. Ela recebeu este nome por ser usualmente esparzida com a mais
fina areia branca. Por baixo, havia um mecanismo do mais extraordinário e
complicado caráter, que facultava à arena, durante os jogos, assumir diferentes
formas, em rápidas sucessões. Numa ocasião, ela parecia subir da terra como o
jardim das Hespérides; noutra, transformada em rochas e cavernas de Trácia.
Canos subterrâneos transportavam um inexaurível suprimento de água, e o que
minutos antes parecia uma planície, podia repentinamente converter-se em um
vasto lago, coalhado de navios armados, para deleitar o povo com
entretenimentos náuticos.
1 "Fecit amphitheatrum
urbi media uti destinasse compererat Augustos". - Suet. In Vespas.
IX.
² - "Barbara
pyramidum sileat miracula Memphis:
Assíduas jacet nec Babylona labor...
Asre
nec vácuo pendentia Mausolea
Laudibis
immodicis Cares in astra ferant;
Omnis
Caesareo cedat labor amphitheatro,
Unum
prao cunctis fama loquatur opus". - Marcial, Séc. IX
³ O cardeal
Wiseman, numa nota em Fabiola, diz que ele podia conter pelo menos
150.000 espectadores; mas nenhum dos antiquários italianos mencionam mais que
100.000.
4 "A
mílitibus classiariis qui vela ducebant in amphitheatro". - Lampridio,
In Commodo.
5 "Sous Tito
um tissu de soie et d’or avec s’étend sue lê nouvel amphitheatre”. - Getbert,
Esquisse de Rome Christienna, li. 345.
Fonte:Os mártires do coliseu de A.J Reilly
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