A apologética sob a ação profética do Espírito Santo
Por Gutierres Fernandes Siqueira
O texto de 1 Timóteo 4 fala de apostasia e heresia, porém começa com uma observação curiosa: “mas o Espírito expressamente diz”. O que é possível aprender dessa expressão? Ora, o ministério do Espírito Santo envolve o exercício da correção e da apologia através, inclusive, do dom de profecia, do ministério profético e do dom de discernimento de espíritos. O Espírito Santo quase nunca é associado ao labor apologético e aí está um erro comum entre cristãos diante dos males deste mundo: a falta de dependência da igreja contemporânea da ação divina. Enfrentar o mal apenas com ferramentas humanas não é só limitador, mas igualmente arrogante em desprezo a ideia central do cristianismo, que é a graça divina.
O ministério profético, diferente do que afirma equivocadamente o cessacionismo, não acabou na era apostólica. O profeta neotestamentário não tinha uma função de formulador doutrinário, logo porque quem exercia esse papel era o colegiado apostólico. A igreja estava baseada na “doutrina dos apóstolos” e não na “doutrina dos profetas”. O profeta neotestamentário, que sempre deve ser diferenciado do veterotestamentário, exercia outros papéis, entre eles o resguardo da doutrina dos apóstolos através do discernimento de espíritos.A apologética não pode ser vista apenas como um exercício de polemistas. É fato que a apologética é um trabalho intelectual, mas tal fato não apaga o caráter espiritual do combate à apostasia e à heresia. Nesse texto, o apóstolo depende do ministério do Espírito para o discernimento sobre o tempo presente. “Essa é a única referência na carta a Timóteo ao ministério e a presença do Espírito na igreja. A função do Espírito aqui é transmitir (como fonte e capacitador divino) uma palavra profética”, como observa Philip H. Towner [1]. Isso mesmo: o Espírito Santo capacita o homem numa palavra profética para discernir o erro.
O papel profético do discernimento não cessou, logo porque há uma estreita ligação entre os dons. O verbo “diz” está no presente do indicativo, ou seja, essa ação é qualificada no presente. Ainda Philip H. Towner comenta: “É interessante notar que Paulo presume a operação contínua do espírito de profecia na congregação” [2]. Inclusive, esse texto poderia ser traduzido assim: “pois bem, expressando-se verbalmente, o Espírito declara…”. No Novo Testamento, o advertir do Espírito à igreja sobre o engano satânico era parte da vivência carismática (veja: At 11.27-28; 13.1-3 e I Co 14). O discernimento não vinha apenas de uma reflexão racional sobre as Escrituras, mas também pelo dom do Espírito. [3]. Atenção: é evidente que a apologética carece da racionalidade, mas, como atividade espiritual, não depende apenas dela.
Outro ponto interessante a notar é que a expressão “o Espírito expressamente diz” (Τὸ δὲ πνεῦμα ῥητῶς λέγει) é comparável com outras expressões proféticas do Novo Testamento, como no caso de Apocalipse 2-3 onde abunda a frase “quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz” (Ὁ ἔχων οὖς ἀκουσάτω τί τὸ Πνεῦμα λέγει ταῖς ἐκκλησίαις). veja: Ap 2.7, 11, 17, 29; 3.6, 13, 22). E, também, é semelhante à profecia de Ágabo, um exemplo latente de profeta neotestamentário, onde ele expressa a frase: “isto diz o Espírito Santo” (Τάδε λέγει τὸ Πνεῦμα τὸ Ἅγιον). Cf. At 21.11. É uma fórmula nova e claramente diferente do “assim diz o Senhor” do Antigo Testamento. Paulo não usa essa nova fórmula para fazer referência a alguma profecia do Antigo Testamento, mas sim para uma profecia presente, como escreve Gordon D. Fee [4].
O discernimento de espíritos
“O discernimento de espíritos é a contrapartida e a garantia do profetismo”, como bem pontua a obra Expositor’s Greek Testament. Diante de doutrinas demoníacas, para usar uma expressão forte do apóstolo Paulo, não bastam as ferramentas de lógica elementar e investigação empírica. Há uma batalha espiritual que precisa ser encarada espiritualmente. O dom de discernir espíritos (1 Co 12.10) é um complemento à profecia e, certamente, capacita espiritualmente a comunidade cristã para distinguir a verdade do erro em questões camufladas, sorrateiras e com aparência de piedade. Nem todo falso profeta será abertamente abjeto, hermeneuticamente crítico ou homileticamente vaidoso. Há muitos falsos profetas com trejeitos de espiritualidade, linguagem ortodoxa e que cultivam certo ar de reverência, mas que são verdadeiros “filho do diabo”.
Aliás, sem vigilância qualquer cristão pode se tornar um falsário da fé. No mesmo capítulo onde Pedro faz uma declaração correta sobre a pessoa de Jesus dizendo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, reconhecendo assim a messianidade do Nazareno, instantes depois o mesmo Pedro recebe a reprimenda de Jesus por tentar declinar a ideia da morte redentora. Jesus então declara: “Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens”. (cf. Mt 16. 15-23). Como é possível repreender alguém instantes depois de um belo e bíblico sermão? Só mesmo capacitado espiritualmente pela dádiva do Espírito Santo. O mesmo Espírito que permite a iluminação sobre fatos obscuros.
Referências Bibliográficas:
[1] TOWNER, Philip H. The Letters to Timothy and Titus. 1 ed. Grand Rapids: Wm. B. Eeardmans Publishing, 2006. pos. 6405.
[2] TOWNER, Philip H. Idem. pos. 6416-6417.
[3] John MacArthur Jr. interpreta esse texto dizendo que o Espírito alerta sobre a apostasia através das Escrituras. Embora isso seja uma verdade, essa interpretação não é exegeticamente precisa, pois o apóstolo Paulo trata de outra forma de discernimento nesse texto. Veja: MaCARTHUR Jr., John. The MacArthur Study Bible- ESV. 1 ed. Wheaton: Crossway, 2010. pos 129101.
[3] FEE, Gordon Donald. 1 and 2 Timothy, Titus. 1 ed. Grand Rapids: Baker Publishing, 1984. pos 2233.
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