Dawson Trotman - Os navegadores e as origens do discipulado no evangelicalismo americano,
O texto abaixo é uma conversa com Doug Hankins, co-editor do livro “Dawson Trotman: In His Own Words” (NavPress, 2011). A dissertação de Hankins, “Dawson Trotman, os navegadores e as origens do discipulado no evangelicalismo americano, 1926-1956,” foi supervisionada por Doug Sweeney na Trinity Evangelical Divinity School.
Vamos começar do fim – da morte de Dawson Trotman – já que estamos falando de um evento que ocorreu em 18 de Junho de 1956, 60 anos atrás. Qual era a idade dele na época? Ele era casado? Tinha filhos? O que fazia no lago Schroon? Como ele morreu?
Dawson tinha 50 anos. Era casado e tinha 3 filhos, o mais velho no ensino médio. Ele estava no Lago Schroon, em Nova Iorque, palestrando em um acampamento promovido por Jack Wyrtzen e o ministério World of Life.
Uma tarde, enquanto passeava de barco com Jack e alguns acampantes, eles se depararam com algumas ondulações e Dawson e uma jovem caíram do barco. Ele a manteve emergida para impedir que se afogasse, mas morreu no processo. Billy Graham discursou no funeral de Dawson e disse sobre esse seu último ato de heroísmo: “Dawson morreu da mesma forma que viveu – sustentado os outros para cima.” Que ótima coisa a se dizer.
Ok, então vamos voltar ao começo. Quando e onde Dawson nasceu? Ele era de família cristã? Como ele chegou ao seu encontro salvador com Cristo?
Dawson nasceu em Bisbee, Arizona, em 1906 (mesmo ano de Dietrich Bonhoeffer) e não cresceu em uma família cristã. Sua família era presbiteriana por tradição, mas não praticante. De vez em quando ele ia à escola dominical durante o ensino fundamental e médio, depois que sua família se mudou para Lomita, Califórnia, na década de 1910. Seu professor de ciências na escola pública “por coincidência” também ensinava na classe de jovens na igreja presbiteriana local.
Por volta dos seus 20 anos, ele era um cara mundano. Distribuía bebidas destiladas que vinham de São Francisco durante a proibição, roubava algumas coisas e era um jogador de bilhar apostador e muito habilidoso. Mas, depois de ser pego bebendo pela polícia local, fez uma rápida oração “me salve”, prometendo frequentar a igreja novamente.
Ele foi a uma reunião de jovens (Christian Endeavor) na qual acontecia uma competição de memorização das Escrituras. Ele era um rapaz inteligente, queria impressionar as moças bonitas… Então acabou memorizando 10 versículos no intuito de voltar na semana seguinte para recitá-los com perfeição.
Enquanto tentava memorizar os versos naquela semana, de repente percebeu a lógica do Evangelho. Isso aconteceu no caminho do trabalho em uma madeireira local, quando se lembrou de João 5:24 na versão King James: “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna…” (ARC). Trotman se questionou com sinceridade: eu tenho a vida eterna? Ele orou ali mesmo na calçada, pedindo que Jesus lhe desse essa vida. Logo depois, ele compartilhou sua experiência de conversão com um colega de trabalho cristão, que o encorajou a testemunhar isso a todos os trabalhadores daquela madeireira na hora do almoço no dia seguinte. Ali começou o ministério de Trotman.
Como ele passou de um novo convertido a fundador dos Navegadores com ênfase na memorização da Palavra e no discipulado pessoal?
A única igreja que Trotman conhecia era a Comunidade Presbiteriana de Lomita, e ali ele começou a frequentar as reuniões da Christian Endeavor com regularidade. Foi por meio da memorização da Escritura que ele veio a compreender o panorama geral da Bíblia. Seus líderes, missionários Mills e Thomas, foram os primeiros cristãos a investir em sua vida. Eles logo o encorajaram a cursar aulas no Bible Institute de Los Angeles (agora conhecido como Universidade Biola) e o Baptist Theological Seminary (agora Master’s Seminary). Nessas instituições, Trotman começou a exercitar seus músculos espirituais nas áreas de pregação, evangelismo e discipulado. Ele também conviveu com professores e estudantes que o encorajaram a desenvolver o seu dom.
Enquanto aproveitava o ambiente da sala de aula e o aprendizado (ele era um bom aluno), ele se sentiu incomodado pela implicação de que o estudo da Bíblia deveria resultar em uma vida mudada por Jesus Cristo. Ele achou que o estudo acadêmico poderia eventualmente levar a uma indiferença com relação a Mateus 28.18-20. Então, ele deixou ambas as instituições visando praticar o que a Bíblia lhe dizia para fazer: discípulos. Trotman criou a frase que viria a definir seu ministério e sua organização: emoção não é substituto para ação, mas ação não substitui produção. Trotman viu o excesso de educação como algo que, se usado incorretamente, poderia atrair cristãos a mais emoção pela Grande Comissão em vez de levá-los a mais produtividade.
No fim da década de 20, Trotman trabalhava como atendente em um posto de gasolina, pois isso lhe proporcionava tanto um emprego quanto um alojamento nos fundos do estabelecimento. Um dos seus colegas de classe na Bible Institution era amigo de um marinheiro chamado Les Spencer. Les ouvira que Trotman era o tipo de cara que poderia ajudá-lo a se tornar alguém que produzia frutos para Cristo, ou, como diziam naquela época, “um verdadeiro ganhador de almas”. Trotman começou se reunir com Les em um modelo um a um para capacitá-lo a testemunhar, memorizar e citar as Escrituras, atuar como apologeta e evangelista e conduzir estudos bíblicos. Spencer teria uma folga de seis semanas entre cada turno de embarque, e Trotman viu nisso uma oportunidade para mentoriá-lo com vista a criar seminários a bordo de navios da Marinha. Spencer embarcou para sua primeira viagem de seis semanas e voltou com doze novos convertidos. Eles ficariam com Trotman em seu apartamento e aprenderiam a fazer o mesmo.
Durante as seis semanas seguintes de serviço, cada um daqueles marinheiros embarcou em seu navio e voltou com mais algumas dúzias de novos convertidos. Dentro de um ano, Trotman tinha 50 marinheiros que viviam com ele durante seu tempo em terra e que eram comprometidos com a Grande Comissão, a memorização das Escrituras, o testemunho pessoal, o trabalho de evangelistas e apologetas, e a condução de estudos bíblicos.
Este modelo de ministério era a base dos primeiros dias do ministério de Trotman, e ele costumava pensar nisso como ministério de “ganhar almas”. Entretanto, em 1928 Trotman teve uma experiência com um caroneiro que mudaria o nome e a direção de seu ministério. Enquanto dirigia pela rodovia da costa do Pacífico uma noite, Trotman deu carona a um homem que xingava muito e era bem desagradável. Trotman começou a testemunhar a ele durante o período da viagem, e o homem olhou pra ele com uma expressão confusa. Os dois perceberam que Trotman havia dado carona a esse homem um ano atrás e o levado a Cristo. Dawson então o deixou no seu destino, citou Filipenses 1:6 e o deixou ir – um bebê em Cristo.
Depois daquele momento, Trotman percebeu uma lacuna em sua abordagem de ganhar almas. Muitas pessoas se converteram, mas não havia nenhuma estrutura ou processo capaz de garantir que aqueles novos crentes cresceriam em Cristo. Todo o treinamento que ele ofereceu havia sido formulado de modo a levar pessoas a se converterem, mas não a ajudá-las a crescerem em Cristo. Foi assim que os Navegadores nasceram.
Como Dawson veio a conhecer e influenciar Bill Bright, o fundador da Cruzada Estudantil para Cristo? E como ele veio a conhecer e influenciar Billy Graham?
Trotman começou o ministério Navegadores no fim da década de 30. Ele dedicou sua missão ao que chamou de ministério de acompanhamento evangelístico (follow-up) – isto é, líderes homens e mulheres dedicados à tarefa de assegurar que pessoas levadas a Cristo fossem apropriadamente treinadas e ensinadas por meio de relacionamentos um a um para crescerem em Cristo. Na metade da década de 40, os Navegadores eram conhecidos no sul da Califórnia como a força tarefa de elite do ministério cristão. Uma vez que a maioria dos ministérios era voltada para esforços de evangelismo de massa, os Navegadores eram o único grupo que poderia ajudar evangelistas de massa a processar os cartões de decisão que eram preenchidos após os encontros de avivamentos ou eventos evangelísticos.
Trotman desenvolveu um sistema exaustivo de acompanhamento em larga escala que ajudava os novos convertidos a entenderem o básico do que é seguir a Jesus e entrar para uma igreja, sempre com o objetivo de ver esse crescimento continuar após um encontro de avivamento.
Em 1948, Billy Graham recrutou os Navegadores para o trabalho de acompanhamento em seu encontro da Juventude Para Cristo no anfiteatro Hollywood Bowl. Foi um sucesso. Em seguida, Trotman pressionou Graham, Torrey Johnson e outros líderes evangélicos a incorporarem um ministério de acompanhamento aos seus ministérios de pregação. Graham aceitou sua recomendação e propôs uma parceria com os Navegadores para eles criarem e gerenciarem equipes de acompanhamento para a Associação Evangelística Billy Graham. Trotman finalmente aceitou a proposta em 1951.
Quando Bill Bright veio de Oklahoma para a Califórnia, ele precisou de um lugar para se hospedar. Um amigo recomendou que ele ficasse na casa de Dawson Trotman e sua esposa Lila, já que eles normalmente recebiam marinheiros e estudantes. Assim, Bill Bright se hospedou com Dawson e Lila no seu primeiro dia na Califórnia. Ele não era cristão e deixou a casa de Trotman ainda não convertido.
Bright tentou alguns negócios que não deram certo. Durante esse tempo, ele começou a frequentar a Igreja Presbiteriana de Hollywood e conheceu Herietta Mears, mentora de Trotman e Graham. Bright chegou à fé em Cristo por meio de Mears. Quando Bright decidiu se comprometer com o ministério, ela sugeriu que Bright entrasse em contato com Dawson. Provavelmente foi ele quem incentivou Bright em direção ao ministério universitário.
Bright foi para a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, para evangelizar, com a expectativa conservadora de que levaria um ano para ver algum fruto substancial. Por pensar assim, preparou-se pouco para o discipulado. Depois de um mês, 50 alunos haviam colocado sua fé em Cristo, e Bright não tinha ideia do que fazer a seguir. Ele ligou para Trotman, que pessoalmente disponibilizou recursos, treinamento e voluntários dos Navegadores para a Cruzada Estudantil para Cristo durante os primeiros 5 anos do tempo que Bright passou no campus. Na verdade, a Cruzada Estudantil foi construída com a metodologia dos Navegadores, e usa recursos deles até hoje.
Qual era a visão dele sobre a igreja local? A sua entidade paraeclesiástica ofuscou a igreja na prática e/ou teologia dele?
Trotman disse pouco, mas sua eclesiologia era singular: “No domingo de manhã, vou a uma igreja local para cultuar e espero que meus Navegadores também estejam lá.” Minha opinião é que Trotman via a igreja local como um espaço onde os Navegadores poderiam entrar, apresentar o seu programa de discipulado e transformar crentes acomodados em Navegadores. Em essência, a igreja local era vista como um local para pescar cristãos bebês que os Navegadores pudessem transformar em cristãos de verdade.
Enquanto seu ministério expandia e focava o acompanhamento para o evangelismo de massa, por acaso ele deixou para trás sua paixão por discipulado um a um?
Não, em vez disso, ele continuava tentando dizer não para o evangelismo de massa a fim de garantir que os Navegadores ficassem livres para focar em relacionamento um a um. Ele saiu da Associação Billy Graham em 1953 para fazer justamente isso. Naquela época, ele percebeu que os Navegadores haviam se tornado o braço oficial de acompanhamento evangelístico da Associação Billy Graham, da Cruzada Estudantil, da Young Life e da Wycliffe. Aí, em vez de estarem produzindo discípulos, eles estavam gastando todo o seu tempo ensinando outros a discipular. Por isso, a decisão tomada em 1953.
Em sua opinião, qual foi o efeito duradouro da influência que Dawson Trotman deixou no evangelicalismo e nas igrejas?
Qualquer um que use o termo “discipular” como verbo e não como substantivo testifica a influência duradoura de Trotman. Discipular (to disciple, em inglês) não está definido como verbo em dicionário algum, mas, ainda assim, igrejas, universidades, escritores, bloggers e pastores costumam usar essa palavra como verbo. Esse uso do verbo “discipular” revela a difusão do entendimento do discipulado não como algo apenas espiritual para cristãos, mas como um processo de ensino intencional um a um com o objetivo de levar alguém a crescer espiritualmente. O fato de evangélicos estarem até hoje falando, pensando e ministrando nesses termos é uma prova da influência direta de Trotman no movimento evangélico.
Fonte:https://blogs.thegospelcoalition.org/evangelical-history/2016/06/18/60-years-ago-today-the-founder-of-navigators-drowned-while-saving-a-girls-life-an-interview/ | Tradução http://igrejamultiplicadora.org.br/new/ha-60-anos-um-apaixonado-pelo-discipulado-um-a-um-morria-afogado-dawson-trotman/
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